Eu poderia não ter sentido sede, mas senti, era inevitável. Eu poderia ter tentado ignora-la, mas precisava atender seu chamado. E no meio de tantas opções, escolhi justo o leite, justo aquele que me azedaria por dentro. Depois de engolir aquele líquido que me corroía, já não havia nada que pudesse ser feito. A sede que antes me incomodava dava lugar ao mal estar, a dor, a apatia, a tantos extremos. E de nada adiantaria tentar esquecer o leite azedo, pois ele estava lá, correndo nas minhas veias disfarçado de sangue, camuflado entre os glóbulos, como se tivesse alguma vida. Eu poderia vomitar todo o leite, todo o azedo, ou perfurar as veias com agulhas espessas que me aniquilariam e me esvaziariam o corpo de todo sangue, de todo leite, de toda sede... Mas nunca me livraria do gosto azedo, sequer se a língua fosse mutilada e o paladar totalmente comprometido, porque o sabor viscoso e azedo estava dentro de mim, dentro das lembranças, dos sentimentos, da alma. A sede iria embora, voltaria, não se sabe, mas o azedo do leite permaneceria na memória e na sensação.
Assim são as pessoas, os desejos e os sentimentos. Os desejos nos levam até as pessoas que nos despertam sentimentos, e mesmo quando vomitamos as pessoas e o que sentimos por elas, até a última gota, elas vão embora, tal como os desejos e os sentimentos, mas a lembrança e a sensação do vazio permanecem aqui dentro. E permanecerão sempre.
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