domingo, 4 de abril de 2010

O Anticristo



"O Anticristo"

Direção: Lars Von Trier.

Elenco: William Dafoe, Charlotte Gainsbourg.

Ano de lançamento: 2009.


Uma cena de sexo memorável, em preto e branco, com a fotografia mais bonita que vi nos últimos tempos, em câmera lenta e tocando “Lascia qu’Io Pianga”, da ópera Rinaldo, de Handel, cujo libreto é baseado em “Jerusalém Libertada”, de Torquato Tasso abre o prefácio do filme que se divide em prefácio, capítulos e epílogo. Enquanto isso, através da montagem paralela, nesse caso usada de forma impecável, o filho do casal desce do berço, assiste à cópula dos pais e na sequência cai da janela. Nenhuma palavra poderia retratar a beleza e a sutileza desta cena, uma das mais geniais que conheço.


Se pudesse voltar no tempo, teria apertado o pause, o eject e parado por aí, afinal, só fui ver o filme para um trabalho de fotografia da faculdade, o enredo era completamente secundário e minha opinião sobre a fotografia já estava formada. Mas curiosa que sou, continuei vendo e alguns poucos minutos depois já estava com a tela minimizada, o iTunes aberto, o Adium pulando, e os vídeos da abertura de "Get Along Gang" e da Charice Pempengco cantando "Because you loved me" com a Celine Dion no youtube carregando.


O motivo do tédio e da impaciência segue: após a morte do filho, a mulher entra em depressão graças ao luto. O marido terapeuta acredita que pode cura-la, mas acaba por contagiar-se com o universo melancólico e insano em que se encontra a esposa. Uma mistura de sonho, subconsciente e realidade se funde e o filme todo parece uma repetição das mesmas cenas. A história se passa em dois ambientes: a casa do casal e uma cabana no Jardim do Éden (um matagal do qual ela tem medo, uma espécie de representação do medo inconsciente). No final, após incontáveis cenas de sexo, loucura e mutilação, ele mata a esposa esganada, no maior estilo Nardoni (impossível não lembrar disso vendo um filme onde uma criança morre após cair da janela e um esgana o outro), e se liberta do Éden.


"O Anticristo" é um filme renomado, visto pela crítica como ácido, provocador, chocante, célebre e digno de estrear nas melhores salas de cinema de São Paulo. Talvez seja esse meu problema com os filmes considerados cults e com as pessoas que se esforçam para fazer parte dessa onda cult, tal como os falsos vegans e todas as outras tribos para as quais jovens se moldam no intuito de serem aceitos como pertencentes a alguma instituição. Classificar um filme como cult faz com que o espectador espere muito dele e encontre justificativas para tudo que nele é feito. Os jump cuts, as quebras de eixo, a câmera tremida e os enquadramentos que fogem à regra são propositais e denotam um estilo inovador, conhecimento técnico; a não-linearidade, a chatice e monotonia das cenas expressa um estilo complexo e intencional de atormentar (o que eu chamo de entediar) o espectador; a falta de explicação e as ações desconexas demonstram essência inquieta por parte dos criadores e assim por diante. Eu me pergunto:


"Se o filme fosse feito pelo Zé da Esquina que não sabe se expressar para justificar seu estilo de filmagem e narrativa, exibido nos cinemas mais chinfrins da cidade e feito sob os mesmos moldes, seria tão aclamado? Não!"


Tudo aquilo que provocasse estranheza seria visto como erro, enquanto no filme de Lars Von Trier é tudo intencional. Quer dizer, não importa se o intuito do cineasta é mesmo filmar de forma diferente porque aquilo expressa parte de sua essência, importa que ele seja renomado. É impossível afirmar que Von Trier fez tudo que fez por esse ou aquele motivo, como seria impossível dizer o mesmo do nosso amigo Zé da Esquina. Talvez sejam erros, experimentação, intencionalidade, casualidade e não causalidade, estilos novos (que não tem nada de novos) sendo testados, talvez sejam apenas boas explicações mascarando a verdadeira essência, a criação genuína, o inconsciente. É incrível e revoltante que para a crítica e para os cults, a genialidade nunca está na obra, mas em quem a assina.


Por fim, eu devo dizer que a decepção com "O Anticristo" foi dupla, afinal, não vi nenhuma manifestação explicitamente anti cristã, tal como a de Friedrich Nietzsche no livro que leva o mesmo nome do filme (embora não haja nenhum vínculo entre ambas as obras). Talvez meu olhar não seja cult e aguçado, ou talvez eu tenha conseguido me poupar da contaminação pelo status. É um filme para ser visto quando se está atrasado para o trabalho, assim, só dá tempo de ver a primeira cena e nutrir profunda admiração por ela.


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