Esses dias no trabalho, uma produtora me pediu para fazer algumas coisas que não pretendo descrever aqui, mas que não eram pertinentes ao meu departamento, mas ao dela. Embora, segundo as regras, eu devesse recusar pois não sou paga para executar o trabalho dela, de que me custava ajudar alguém que estava mais atarefada que eu naquele momento? Aceitei, mesmo sem saber direito como deveria fazer o que me foi solicitado, era um bom motivo para aprender algo novo. O que achei engraçado foi ela ter me pedido com tanta naturalidade, quer dizer, ela não mencionou que sabia que aquilo era obrigação dela.
Aprendi o que deveria ser feito com outra pessoa e um pouco por intuição e quando ía finalizar o trabalho, o responsável pelo departamento apareceu e logo depois ela também. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele deu um sermão nela que estava sendo paga para fazer o trabalho por completo e não para dividi-lo comigo. Para minha surpresa, ela disse que não sabia que aquilo era parte de sua função e se desculpou várias vezes ainda muito envergonhada após levar uma bronca pública. Em meio a confusão, não consegui ficar apenas observando e chamei a produtora para onde eu estava. As pessoas acabaram se distraindo com alguma outra coisa, enquanto ela continuava desconfortável, e continuaria por muito tempo. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ela me pediu desculpas novamente, tentou se justificar, disse que se um dia eu precisasse de alguma coisa, poderia pedir pra ela. Era visível que não se tratava de alguém que agiu de má fé, mas apenas de um mal entendido.
Eu não estava brava, estava me sentindo mal. Eu deveria ter dito "não" quando ela me pediu o favor? Deveria ter dito que era obrigação dela e não minha? Quer dizer, não fiz por mal, realmente achei que ela soubesse e que só havia pedido um favor. Se eu tivesse falado, ela teria dito que não sabia, eu teria aprendido de algum jeito, teria ensinado e a pouparia do sermão. Não, na verdade não. Se eu tivesse me negado a ajudar, não seria eu, seria um outro alguém, com outras características, outros valores. Esse mesmo alguém não aprenderia para ajudá-la, pediria para ela chamar alguém que já sabe, tentaria sugerir uma ou outra solução para que ela fosse embora logo e não incomodasse dando trabalho. Logo, esse alguém deixaria de aprender, deixaria de ensinar, deixaria de ajudar e a levaria a algum possível sermão vindo de outro ângulo: de quem pediu o trabalho para ela. Eu fiz a coisa certa.
Antes que ela continuasse se desculpando, a interrompi para explicar qual era o processo comum e descobri que ela nunca havia feito o que tinha me pedido e que não sabia fazer. Meu mal estar deu lugar a uma certa alegria, pois eu poderia me redimir sabe-se lá do que ensinando o que há pouco tinha aprendido. Fiz isso e a vergonha dela foi se esvaindo, deixando aparecer uma outra pessoa que já não estava mais na defensiva, pelo contrário, estava muito contente por ter aprendido algo novo. Ela me agradeceu muitas vezes e eu finalmente senti que meu trabalho estava feito. Não só o que ela me pediu, mas aquele que ela não pediria com as palavras: o da receptividade, a sensibilidade de ensina-la e fazê-la sentir melhor.
No dia seguinte ela voltou para realizar o mesmo trabalho, mas dessa vez consciente de como deveria ser feito. Fez tudo direitinho, falando em voz alta o passo a passo, mas sem me deixar dar dica nenhuma, ela queria provar que aprendeu. E provou, aos trancos e barrancos, mas lá estava o produto final pronto. Os agradecimentos continuaram e continuam até hoje, quando nos encontramos no corredor.
No final, me disseram para não fazer mais o trabalho de ninguém, porque as pessoas se aproveitam e para não ensinar ninguém, porque se o funcionário é incompetente a ponto de não saber o próprio trabalho, não merece respeito. Mas dentro de mim há algo muito maior. Eu tenho minhas convicções e elas é que me movem, me guiam e me dizem que todo mundo merece respeito. Respeito é indiscutível, quer dizer, é um princípio básico para que qualquer relação exista. Eu poderia ter dito isso, mas preferi dar apenas um sorriso. Como eu explicaria meu ponto de vista para quem acha que alguém não merece respeito por não saber alguma coisa? Deveria ter tentado, mas fiquei apenas no sorriso. É complicado para alguém com tantas convicções e ideais tão fortes como eu, conseguir exercer alguma diplomacia. Quando sinto que alguém agride meus valores primários, me vejo na obrigação de contestar, principalmente quando a vítima não sou eu, mas outra pessoa, seja quem for. É algo muito grande e incontrolável que vem de dentro de mim, e quando faço o zoom out da situação, ela sempre termina do mesmo jeito, comigo brigando por algum ideal e todas as outras pessoas em volta assistindo, provavelmente pensando:
Lá vai a louca, brigando de novo, brigando com mais alguém, brigando por alguma coisa que nem a afeta diretamente, apenas pelo prazer de brigar. Será que alguém a leva a sério? É só mais uma briga dela, como sempre tentando controlar as pessoas, as situações, tentando impor seus pontos de vista, tentando defender quem não pediu pra ser defendido, quem não merece defesa, quem não merece respeito.
Ou então:
Quem é a louca? Não era ela que estava brigando outro dia? Por que há briga? Acho que não entendi direito. Ah, acho que ela tem alguma razão, é ela tem razão. Mas não vão mudar o sistema só porque ela tenta convence-los de que algo está errado. Será que se eu me juntasse a ela faria diferença? Mas daria muito trabalho. Melhor apenas assistir, afinal, uma boa briga não se perde por nada.
Por fim, não são meus ideais que estão em jogo, mas o ocorrido na semana. Minha conclusão é bastante positiva. Embora alguns possam pensar que eu fui um pouco explorada e perdi a chance de roubar o cargo dela, afinal, ensinei a ela o que fazer, para mim é muito diferente. Eu aprendi a fazer algo que não sabia graças a ela, me tornei mais versátil e melhor como profissional e ainda pude ensinar alguém. A situação, ainda que desagradável, me deu a oportunidade de evoluir como pessoa, pois tive a chance de perceber que ela não precisava de um sermão, de alguém que fizesse o trabalho dela e muito menos ser desrespeitada pelo que não sabia, ela só precisava que alguém fosse gentil, a tratasse bem e ensinasse o que deveria ser feito, e eu tive o prazer de fazer isso.
Para as mentes mais ignorantes, eu só perdi a oportunidade, mas oportunidade de quê? De ser hostil? De fazer com que alguém se sentisse mal? De passar uma pessoa pra trás? Eu acredito (e preciso acreditar, para que ainda haja esperança, para que a vida continue tendo propósito e para que meus valores e convicções continuem fazendo sentido) que só aproveitei a oportunidade. Eu aprendi, ensinei, fiz uma amiga, fiz o dia de alguém melhor e fiz o meu dia melhor.
Por fim, tenho certeza que se um dia ela precisar de algum favor, por menor que seja, ela recorrerá a mim e não a quem a tratou mal, da mesma forma que se um dia eu tiver alguma pretensão de ocupar o cargo que ela tem (e não tenho no momento), sei que poderei falar com ela, sem medo de parecer "puxação de tapete", porque ela terá prazer em me ajudar. É uma troca, a vida em si é um mercado de troca, onde cada um oferece o que tem. Infelizmente, algumas pessoas oferecem palavras ásperas, desrespeito, intolerância, e em troca recebem coisas similares, gerando um ciclo interminável, pelo menos até que alguém quebre a regra. Eu ofereci o que tinha e em troca ganhei alguém que me trata muito bem, que é grata, que sempre sorri para mim, que se importa, e de alguma maneira, troquei o que não me custava nada por algo que para mim não tem preço: o sentimento de realização, de que fiz um bom trabalho e de que alguém reconheceu e se sentiu muito melhor por isso.
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