
Finalmente consegui um tempo livre e ao invés de dedica-lo a algo extremamente útil como arrumar a bagunça de casa, organizar o cronograma de trabalhos da faculdade e descansar a mente deitada na cama sozinha, resolvi escrever sobre o assunto mais falado nas últimas semanas: o caso Nardoni. Admito, estou um pouco atrasada, mas é algo em que tenho pensado e não quero deixar a ideia se perder.
Antes de mais nada, é bom ser o mais clara possível quanto à imparcialidade deste texto. Não pretendo fazer qualquer tipo de apologia, sequer apontar culpados ou inocentes, embora o júri, as provas e a opinião pública tenham feito isso com afinco.
Logo que soube do caso Isabella, há dois anos, diferente da grande maioria das pessoas que se indignou, sentei em frente a televisão e ouvi atentamente a todas as reportagens, inclusive as mais sensacionalistas, fascinada com a trama policial que envolvia o casal Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, e a filha/enteada Isabella Nardoni. A história típica de um roteiro policial/criminal hollywoodiano era verídica e viraria um dos casos mais comentados atualmente em todos os jornais. (Não pretendo conta-la, porque ela se tornou mais popular que a história de Cristo, da Branca de Neve, do Silvio Santos, da Cinderela, etc etc etc...Seria redundante.)
Mas não é o assassinato em si que me chama atenção, sequer descobrir os culpados, mas a postura popular em relação ao ocorrido. Durante o julgamento, dezenas de pessoas largaram seus empregos e suas vidas para segurar cartazes e proferir palavras de ódio e indignação. Mas qual era o conhecimento técnico, jurídico e até mesmo presencial da população perante o caso? Eles sabiam aquilo que a televisão e a mídia impressa divulgava, ou seja, a opinião deles era basicamente formada de acordo com a opinião (e a vontade) da mídia. Eles queriam a condenação do casal porque assassinar uma criança de forma tão brutal é um crime hediondo, digno inclusive de pena de morte de acordo com alguns. Mas tudo isso não passa de mais uma novela das oito, quer dizer, cria-se uma Helena (a vítima), uma Odete Roitman (a vilã) e um cúmplice. Em seguida, a história se divide em dois polos: o bem e o mal, onde não existem meios-termos.
Como seria se a mídia tivesse comprado outra versão do caso? Se os Nardoni, ao invés de ficarem conhecidos como o casal assassino, fosse o casal de mártires que além de perder a filha ainda sofre sendo injustamente acusado pela morte da criança devido à incapacidade da justiça em encontrar o verdadeiro culpado? Será que a opinião pública seria a mesma? Será que os menos esclarecidos não defenderiam os dois com unhas e dentes, com a mesma garra com que acusavam? Tentei por várias vezes discutir isso com as pessoas, mas a grande maioria estava abruptamente carente de qualquer razão e completamente tomada pela emoção e comoção do tão falado caso Isabella. Todos eles teimavam em tentar me convencer de que os dois eram os culpados, sem perceber que isso estava claro, que as provas já haviam me convencido e que não era isso que me indignava, mas a postura das pessoas em relação ao acontecimento. Desde antes das provas, do próprio julgamento, eles já estavam condenados, e quem ditou a sentença não foi o júri, o juiz, ou sequer o ato criminal, mas a mídia e a capacidade de formar e manipular a opinião pública.
O fato é que o assassinato é errado, ilegal, as provas e a cronologia do crime não deixaram dúvidas de que os réus eram culpados, mas a condenação que deveria vir destes elementos já havia sido dada por quem não deveria julgar e sim informar, com imparcialidade. Depois de muitas tentativas de explicar esse ponto de vista e de ser chamada de insensível, fria, defensora de criminosos, dentre outras coisas, acabei deixando pra lá, afinal, tem muito mais coisa acontecendo no mundo e eu, como "parte" da mídia, não deveria julga-la tanto. Preferi absolve-la, afinal, alguém precisava ser inocentado nessa história toda.
Mas ainda tem algumas ideias que insistem em transitar pela minha mente. É engraçado (pra não dizer triste, profundamente triste) pensar que as pessoas se revoltam com a morte de uma menina assassinada pelo pai e pela madrasta (que é revoltante, claro), mas não se revoltam com as milhares de crianças condenadas à morte que crescem nas favelas cariocas expostas a todo tipo de violência, com as crianças que morrem de fome na África, na Ásia, no orfanato do bairro vizinho, debaixo do viaduto pelo qual passamos apressados todos os dias. Eles se revoltam com uma morte violenta que mata em alguns minutos, mas sorriem pra morte lenta, aquela com a qual nos deparamos todos os dias graças à miséria, à violência, a falta de políticas públicas, de educação, de saúde, de condições básicas de sobrevivência. E é isso que me faz pensar: se o caso Isabella aparecesse tanto quanto todos os problemas citados anteriormente e fosse tratado com a mesma superficialidade, será que as pessoas estariam tão indignadas? A revolta não se dá pelo fim da vida de um ser humano, mas pela quantidade de vezes que o assunto aparece nas manchetes do jornal, portanto, a mídia é quem decide o valor da vida, o grau de monstruosidade de um crime e quem merece ser condenado ou absolvido. Enquanto isso, milhares de pessoas morrem das mais diversas formas, mas isso não deve mesmo ter nenhuma importância, afinal, o William Bonner e a Fátima Bernardes não falaram nada sobre isso.
Ressalto minha profunda admiração pelo jornalismo, levando em consideração a dificuldade de faze-lo neste país. A crítica não é direcionada aos profissionais que informam, pois estes desempenham seu trabalho em sua maioria da melhor maneira possível e são apenas a sustentação da pirâmide, mas é direcionada a quem detém o poder, a quem pode decidir o que informar ou não, sem dar satisfações a ninguém, e ainda assim, prefere se omitir e esconder a poeira debaixo do tapete.
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vai escrever bem assim lá longe né???
ResponderExcluirparabens pelo blog, muito legal!