domingo, 25 de abril de 2010

Pão de Açúcar e Flamengo num feriado bem paulista


Devo admitir que me sinto preguiçosa ao dizer isso, mas lá vai:

Deus abençõe o criador dos feriados!!!

Todo mundo sabe que o trabalho enaltece o homem e colabora com o crescimento da nação, mas tem coisa melhor que feriado? Quando os feriados caem de sexta-feira ou segunda-feira e emendamos com o final de semana, dizemos que estes são os melhores. Quando caem de terça-feira ou de quinta-feira e conseguimos fazer a ponte, aí sim, é quase um Carnaval fora de hora. Mas feriado de quarta, o que se faz com um feriado solto, no meio da semana, que não servirá para emendar com nada? Em pensar que no Rio de Janeiro, além da quarta cedida por Tiradentes, São Jorge também resolveu ser gentil e garantir descanso na sexta, enquanto para nós paulistas, nada. Parecia um dia perdido, mas muito pelo contrário. Ele quebra a semana em duas, desse modo, não há espaço para o cansaço.

São poucos os feriados que aproveito, mas dessa vez, resolvi sair para jantar na véspera de feriado depois do horário de aula. Chamei uns amigos e lá fomos nós. Saímos da Avenida Paulista com um McDonalds, várias pizzarias, shoppings cheios de restaurantes e uma casa de esfiha em busca de um lugar ideal para comer. Entramos no carro e o congestionamento típico de São Paulo nos lembrou que nessa cidade até mesmo um jantar pode demorar muito mais que o planejado.

Foi ficando cada vez mais tarde, os ônibus mais escassos, o trânsito mais intenso e as opções mais reduzidas. Paramos em alguns lugares, uns muito caros, outros já estavam fechados.

No final, fomos parar no Pão de Açúcar do Morumbi em pleno início de madrugada e lá acabamos comendo uma pizza daquelas bem baratas mesmo, gentilmente esquentada no microondas do próprio mercado por um funcionário, dividimos um refrigerante de 2 litros e um bolo melecado com doce de leite serviu de sobremesa. O funcionário cedeu talheres, pratos, copos e muita paciência.

Voltei para casa após deixar todo mundo em suas respectivas casas e de ser "descarregada" perto da minha. Poderíamos ter comido no McDonalds ao lado da faculdade, mas certamente não teria sido tão divertido. Tem coisa melhor que programa de índio, passeio mal programado, onde tudo dá errado e você tem que ir encontrando soluções no caminho? Aposto que não. No final, o jantar foi só um pretexto para todo mundo poder passar um tempo junto, conversando, rindo, vivendo, coisa que a correria do dia a dia sempre nos impede de fazer.

Algumas pessoas ficam mal humoradas quando as coisas não saem como planejadas e quando a comida não é das melhores, mas eu realmente não ligo. A comida não é nada, é só um aperitivo. Os amigos são o prato principal, e esses com certeza são os melhores.

Voltando ao feriado, passei em casa, dividindo o tempo entre o jogo do Flamengo que felizmente venceu e uma conversa de msn com uma amiga carioca e flamenguista. Sim, um feriado bem rubro-negro, eu diria.

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Quanto custa um "obrigado"?


Essa semana foi realmente interessante e me rendeu muitas reflexões. Mesmo com o feriado que proporcionou um descanso no melhor dia possível, aconteceram mais coisas do que em uma semana completa, ou talvez, estar descansada me fez perceber as coisas de outra maneira.

Eu estava trabalhando normalmente, quando o supervisor chamou todos os responsáveis pelo setor em que trabalho para uma reunião e fiquei cuidando de tudo sozinha. Era uma ótima oportunidade para prestar atenção nos mínimos detalhes e fazer as coisas do jeito que eu achava melhor, sem modelos a seguir.

Sentei para ver os emails com os pedidos de trabalho e lá estava a caixa de entrada cheia de novas mensagens. Olhei por um instante, analisando por onde seria melhor começar. Decidi dar prioridade ao jornalismo, afinal, eles tem um volume de trabalho maior e um grau de paciência menor.

Abri o email que solicitava alguns clipes musicais e três vídeos do Adoniran Barbosa para um editor do jornal. Baixei os clipes e cliquei nos links seguintes, mas nenhum deles poderia ser aberto, pois o conteúdo estava bloqueado pela própria empresa. Fiz tudo que era possível, mas não adiantou, desse modo, deixei o email separado para quando o editor aparecesse. Não demorou muito e lá estava ele. Expliquei o problema e sugeri que ele me passasse outros links ou conversasse com a supervisão para ver se era possível desbloquear o acesso, mesmo sabendo que estavam todos em reunião e que a primeira opção era mais plausível.

Ele ficou inconformado, reclamou do sistema e se negou a procurar novos links:

Não tem outros links, só tem esses, só esses tem o que quero.

Perguntei o que exatamente ele queria, quais eram as imagens importantes, qual era o conteúdo da matéria a ser editada, assim eu poderia tentar encontrar em sites acessíveis algum material semelhante ao que ele tanto precisava, mesmo sabendo que o trabalho de pesquisa de imagens não é meu e sim dele, tenho o hábito de tentar ajudar, porque acredito que no fundo, o que importa é o produto final e este deve ser feito em conjunto.

Não dá pra explicar, não tem como você achar, você não vai conseguir, não sabe o que é. Não é possível, por que não abre aqui? Você não sabe desbloquear? Faz alguma coisa aí, dá um jeito, eu preciso destes vídeos. Pronto, que que eu faço agora? Como eu vou trabalhar assim? No meu computador abriu.

Ele reclamava, reclamava, reclamava do sistema, das condições de trabalho, de tudo que lembrava de reclamar. Em alguns pontos tinha razão, mas naquele momento de que adiantava reclamar? Isso resolveria o problema? Não!

Sugeri a ele que tentasse abrir os sites com seu usuário no meu computador, ele titubeou uns instantes, mas acabou aceitando. Sentou-se na cadeira, fez login e quando eu achei que finalmente estava tudo resolvido, lá estava ele reclamando novamente:

E agora? De que adianta ter feito login se não tenho os sites aqui? Vou ter que buscar na redação, não estão anotados...

Mais uma tempestade em um copo d'água. Para mim, parecia óbvio. Se o problema era o usuário, era só abrir no dele. Se o outro problema era não lembrar os sites, era só ir até lá buscar os endereços. Se o endereço não estava lá anotado, era só voltar ao meu usuário, anotar os sites que estavam escritos no email e refazer o processo com o usuário dele. Mas ele não me ouvia, não me deixava falar. Levantou e saiu irritado, tentando encontrar soluções que para mim estavam claras.

Sentei, ainda no usuário dele e digitei os endereços dos sites que por acaso havia decorado. Pronto, lá estavam os vídeos abertos. Fiz tudo que deveria fazer da melhor maneira possível e esperei ele voltar. Alguns minutos depois lá estava ele novamente, dessa vez vindo com o responsável do departamento. Para a surpresa dele, o trabalho estava quase pronto.
Não fiquei esperando aplausos, mas confesso que gostaria que ele tivesse refletido um momento, não por mim, mas porque se ele percebesse que raciocinar de forma lógica e respeitando as pessoas é a melhor maneira de se realizar o trabalho, tudo seria mais fácil para todas as partes.

Ah, deu certo? O que você fez? Conseguiu desbloquear?

Expliquei passo a passo o processo. Ele sorriu de leve, bem de leve mesmo, ou talvez não tenha sorrido, pode ter sido uma impressão minha, impressão de quem esperava um sorriso.

Bom, tá feito, né - ele disse com certo desdém.

Ele saiu e me pediu para levar o trabalho pronto pra ele, me disse onde estaria e disse que estava aguardando. Terminei rapidamente e fui até lá, mas me deparei com outros colegas de trabalho do editor. Perguntei por ele, ninguém sabia, mas se ofereceram para entregar o que deveria ser dado a ele. Voltei para o meu setor e daqui a pouco lá estava ele de novo. Eu sei, isso já está ficando repetitivo e cansativo, imagine para mim então. Ele perguntou onde estava o que ele havia pedido.

Deixei onde você disse que estaria com 'fulano' e 'beltrano' que disseram que entregariam pra você..

Ele reclamou um pouco, porque queria que eu entregasse em mãos:

É, mas não é deles, é meu, deveria ter dado pra mim, mas tudo bem, eu pego lá, que seja.

E saiu sem nenhum "obrigado", sem nenhuma cordialidade, sem sequer dar o sorriso que eu achei ter percebido na visita anterior.

Eu poderia escrever uma série de coisas que explicariam como me senti depois disso, mas não acho realmente necessário. Algumas pessoas merecem ser ajudadas, algumas pessoas não. Meu trabalho continuará sendo feito da melhor maneira possível, porque esse é um ideal do qual não abro mão. Aprendi a fazer o que ele deveria ter feito, resolvi o problema que ele deveria ter resolvido e me sinto realizada sempre que consigo agir assim. Se ele percebeu que pensar e buscar soluções em conjunto é melhor que reclamar é algo que diz respeito somente a ele, afinal, é a carreira dele, o trabalho dele, a imagem dele. O que se refere a mim, eu faço questão de preservar.

Por fim, ajudei duas pessoas que reagiram de maneira bem diferente. Se um dia eu tiver que ajudar somente uma delas, já sei bem quem escolher. As pessoas muitas vezes não percebem que as maiores escolhas são feitas com base nos pequenos detalhes. Existem valores como a educação, a cordialidade, a cooperação, a gratidão, a boa vontade, que não se ensina, não se aprende nos livros, mas no dia a dia, e quando você menos espera eles fazem toda a diferença, porque mesmo de longe, por uma fresta escondida, sempre haverá alguém olhando, e seja lá o que você fizer, o outro sempre terá uma oportunidade de retribuir.

É como botar a mão no fogo. Quando você é uma chama e o outro se queima, você nem percebe, pois o calor que te cerca te coloca em outro patamar, mas quando você é queimado, você se lembra de quando foi uma chama e só então percebe como é estar do outro lado e quão intensa uma queimadura pode ser. A metáfora é dramática e barata, mas muito eficaz.

Uma simples frase: "A vida ensina".

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sábado, 24 de abril de 2010

Reuters


Esses dias no trabalho, uma produtora me pediu para fazer algumas coisas que não pretendo descrever aqui, mas que não eram pertinentes ao meu departamento, mas ao dela. Embora, segundo as regras, eu devesse recusar pois não sou paga para executar o trabalho dela, de que me custava ajudar alguém que estava mais atarefada que eu naquele momento? Aceitei, mesmo sem saber direito como deveria fazer o que me foi solicitado, era um bom motivo para aprender algo novo. O que achei engraçado foi ela ter me pedido com tanta naturalidade, quer dizer, ela não mencionou que sabia que aquilo era obrigação dela.

Aprendi o que deveria ser feito com outra pessoa e um pouco por intuição e quando ía finalizar o trabalho, o responsável pelo departamento apareceu e logo depois ela também. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele deu um sermão nela que estava sendo paga para fazer o trabalho por completo e não para dividi-lo comigo. Para minha surpresa, ela disse que não sabia que aquilo era parte de sua função e se desculpou várias vezes ainda muito envergonhada após levar uma bronca pública. Em meio a confusão, não consegui ficar apenas observando e chamei a produtora para onde eu estava. As pessoas acabaram se distraindo com alguma outra coisa, enquanto ela continuava desconfortável, e continuaria por muito tempo. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ela me pediu desculpas novamente, tentou se justificar, disse que se um dia eu precisasse de alguma coisa, poderia pedir pra ela. Era visível que não se tratava de alguém que agiu de má fé, mas apenas de um mal entendido.

Eu não estava brava, estava me sentindo mal. Eu deveria ter dito "não" quando ela me pediu o favor? Deveria ter dito que era obrigação dela e não minha? Quer dizer, não fiz por mal, realmente achei que ela soubesse e que só havia pedido um favor. Se eu tivesse falado, ela teria dito que não sabia, eu teria aprendido de algum jeito, teria ensinado e a pouparia do sermão. Não, na verdade não. Se eu tivesse me negado a ajudar, não seria eu, seria um outro alguém, com outras características, outros valores. Esse mesmo alguém não aprenderia para ajudá-la, pediria para ela chamar alguém que já sabe, tentaria sugerir uma ou outra solução para que ela fosse embora logo e não incomodasse dando trabalho. Logo, esse alguém deixaria de aprender, deixaria de ensinar, deixaria de ajudar e a levaria a algum possível sermão vindo de outro ângulo: de quem pediu o trabalho para ela. Eu fiz a coisa certa.

Antes que ela continuasse se desculpando, a interrompi para explicar qual era o processo comum e descobri que ela nunca havia feito o que tinha me pedido e que não sabia fazer. Meu mal estar deu lugar a uma certa alegria, pois eu poderia me redimir sabe-se lá do que ensinando o que há pouco tinha aprendido. Fiz isso e a vergonha dela foi se esvaindo, deixando aparecer uma outra pessoa que já não estava mais na defensiva, pelo contrário, estava muito contente por ter aprendido algo novo. Ela me agradeceu muitas vezes e eu finalmente senti que meu trabalho estava feito. Não só o que ela me pediu, mas aquele que ela não pediria com as palavras: o da receptividade, a sensibilidade de ensina-la e fazê-la sentir melhor.

No dia seguinte ela voltou para realizar o mesmo trabalho, mas dessa vez consciente de como deveria ser feito. Fez tudo direitinho, falando em voz alta o passo a passo, mas sem me deixar dar dica nenhuma, ela queria provar que aprendeu. E provou, aos trancos e barrancos, mas lá estava o produto final pronto. Os agradecimentos continuaram e continuam até hoje, quando nos encontramos no corredor.

No final, me disseram para não fazer mais o trabalho de ninguém, porque as pessoas se aproveitam e para não ensinar ninguém, porque se o funcionário é incompetente a ponto de não saber o próprio trabalho, não merece respeito. Mas dentro de mim há algo muito maior. Eu tenho minhas convicções e elas é que me movem, me guiam e me dizem que todo mundo merece respeito. Respeito é indiscutível, quer dizer, é um princípio básico para que qualquer relação exista. Eu poderia ter dito isso, mas preferi dar apenas um sorriso. Como eu explicaria meu ponto de vista para quem acha que alguém não merece respeito por não saber alguma coisa? Deveria ter tentado, mas fiquei apenas no sorriso. É complicado para alguém com tantas convicções e ideais tão fortes como eu, conseguir exercer alguma diplomacia. Quando sinto que alguém agride meus valores primários, me vejo na obrigação de contestar, principalmente quando a vítima não sou eu, mas outra pessoa, seja quem for. É algo muito grande e incontrolável que vem de dentro de mim, e quando faço o zoom out da situação, ela sempre termina do mesmo jeito, comigo brigando por algum ideal e todas as outras pessoas em volta assistindo, provavelmente pensando:

Lá vai a louca, brigando de novo, brigando com mais alguém, brigando por alguma coisa que nem a afeta diretamente, apenas pelo prazer de brigar. Será que alguém a leva a sério? É só mais uma briga dela, como sempre tentando controlar as pessoas, as situações, tentando impor seus pontos de vista, tentando defender quem não pediu pra ser defendido, quem não merece defesa, quem não merece respeito.

Ou então:

Quem é a louca? Não era ela que estava brigando outro dia? Por que há briga? Acho que não entendi direito. Ah, acho que ela tem alguma razão, é ela tem razão. Mas não vão mudar o sistema só porque ela tenta convence-los de que algo está errado. Será que se eu me juntasse a ela faria diferença? Mas daria muito trabalho. Melhor apenas assistir, afinal, uma boa briga não se perde por nada.

Por fim, não são meus ideais que estão em jogo, mas o ocorrido na semana. Minha conclusão é bastante positiva. Embora alguns possam pensar que eu fui um pouco explorada e perdi a chance de roubar o cargo dela, afinal, ensinei a ela o que fazer, para mim é muito diferente. Eu aprendi a fazer algo que não sabia graças a ela, me tornei mais versátil e melhor como profissional e ainda pude ensinar alguém. A situação, ainda que desagradável, me deu a oportunidade de evoluir como pessoa, pois tive a chance de perceber que ela não precisava de um sermão, de alguém que fizesse o trabalho dela e muito menos ser desrespeitada pelo que não sabia, ela só precisava que alguém fosse gentil, a tratasse bem e ensinasse o que deveria ser feito, e eu tive o prazer de fazer isso.

Para as mentes mais ignorantes, eu só perdi a oportunidade, mas oportunidade de quê? De ser hostil? De fazer com que alguém se sentisse mal? De passar uma pessoa pra trás? Eu acredito (e preciso acreditar, para que ainda haja esperança, para que a vida continue tendo propósito e para que meus valores e convicções continuem fazendo sentido) que só aproveitei a oportunidade. Eu aprendi, ensinei, fiz uma amiga, fiz o dia de alguém melhor e fiz o meu dia melhor.

Por fim, tenho certeza que se um dia ela precisar de algum favor, por menor que seja, ela recorrerá a mim e não a quem a tratou mal, da mesma forma que se um dia eu tiver alguma pretensão de ocupar o cargo que ela tem (e não tenho no momento), sei que poderei falar com ela, sem medo de parecer "puxação de tapete", porque ela terá prazer em me ajudar. É uma troca, a vida em si é um mercado de troca, onde cada um oferece o que tem. Infelizmente, algumas pessoas oferecem palavras ásperas, desrespeito, intolerância, e em troca recebem coisas similares, gerando um ciclo interminável, pelo menos até que alguém quebre a regra. Eu ofereci o que tinha e em troca ganhei alguém que me trata muito bem, que é grata, que sempre sorri para mim, que se importa, e de alguma maneira, troquei o que não me custava nada por algo que para mim não tem preço: o sentimento de realização, de que fiz um bom trabalho e de que alguém reconheceu e se sentiu muito melhor por isso.

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Sentimentos inatos


Sei que nas postagens anteriores estava fazendo uma lista de resenhas de filmes e que ainda faltou falar de um: Frida. Coincidentemente, dos três que assisti, este foi o que mais gostei, mas terei que falar disso depois, afinal, não foi com este propósito que sentei para escrever.

Semana de provas, trabalhos, áudios, vídeos, prazos, datas, notas, entregas, música, roteiro, programa infantil, prova com direito a msn e google, jogos do Flamengo decepcionantes e eis que não me resta um minuto de sossego para escrever.

Por que as pessoas tem tanta dificuldade para ser gentis? Quer dizer, por que para algumas pessoas a cordialidade, a educação, o bom senso são naturais a ponto de não ser necessário sequer pensar sobre isso, enquanto para outras o oposto acontece?

Vou contar dois casos que ocorreram esta semana, dois casos opostos que me levaram a pensar tanto sobre isso.


domingo, 4 de abril de 2010

O Anticristo



"O Anticristo"

Direção: Lars Von Trier.

Elenco: William Dafoe, Charlotte Gainsbourg.

Ano de lançamento: 2009.


Uma cena de sexo memorável, em preto e branco, com a fotografia mais bonita que vi nos últimos tempos, em câmera lenta e tocando “Lascia qu’Io Pianga”, da ópera Rinaldo, de Handel, cujo libreto é baseado em “Jerusalém Libertada”, de Torquato Tasso abre o prefácio do filme que se divide em prefácio, capítulos e epílogo. Enquanto isso, através da montagem paralela, nesse caso usada de forma impecável, o filho do casal desce do berço, assiste à cópula dos pais e na sequência cai da janela. Nenhuma palavra poderia retratar a beleza e a sutileza desta cena, uma das mais geniais que conheço.


Se pudesse voltar no tempo, teria apertado o pause, o eject e parado por aí, afinal, só fui ver o filme para um trabalho de fotografia da faculdade, o enredo era completamente secundário e minha opinião sobre a fotografia já estava formada. Mas curiosa que sou, continuei vendo e alguns poucos minutos depois já estava com a tela minimizada, o iTunes aberto, o Adium pulando, e os vídeos da abertura de "Get Along Gang" e da Charice Pempengco cantando "Because you loved me" com a Celine Dion no youtube carregando.


O motivo do tédio e da impaciência segue: após a morte do filho, a mulher entra em depressão graças ao luto. O marido terapeuta acredita que pode cura-la, mas acaba por contagiar-se com o universo melancólico e insano em que se encontra a esposa. Uma mistura de sonho, subconsciente e realidade se funde e o filme todo parece uma repetição das mesmas cenas. A história se passa em dois ambientes: a casa do casal e uma cabana no Jardim do Éden (um matagal do qual ela tem medo, uma espécie de representação do medo inconsciente). No final, após incontáveis cenas de sexo, loucura e mutilação, ele mata a esposa esganada, no maior estilo Nardoni (impossível não lembrar disso vendo um filme onde uma criança morre após cair da janela e um esgana o outro), e se liberta do Éden.


"O Anticristo" é um filme renomado, visto pela crítica como ácido, provocador, chocante, célebre e digno de estrear nas melhores salas de cinema de São Paulo. Talvez seja esse meu problema com os filmes considerados cults e com as pessoas que se esforçam para fazer parte dessa onda cult, tal como os falsos vegans e todas as outras tribos para as quais jovens se moldam no intuito de serem aceitos como pertencentes a alguma instituição. Classificar um filme como cult faz com que o espectador espere muito dele e encontre justificativas para tudo que nele é feito. Os jump cuts, as quebras de eixo, a câmera tremida e os enquadramentos que fogem à regra são propositais e denotam um estilo inovador, conhecimento técnico; a não-linearidade, a chatice e monotonia das cenas expressa um estilo complexo e intencional de atormentar (o que eu chamo de entediar) o espectador; a falta de explicação e as ações desconexas demonstram essência inquieta por parte dos criadores e assim por diante. Eu me pergunto:


"Se o filme fosse feito pelo Zé da Esquina que não sabe se expressar para justificar seu estilo de filmagem e narrativa, exibido nos cinemas mais chinfrins da cidade e feito sob os mesmos moldes, seria tão aclamado? Não!"


Tudo aquilo que provocasse estranheza seria visto como erro, enquanto no filme de Lars Von Trier é tudo intencional. Quer dizer, não importa se o intuito do cineasta é mesmo filmar de forma diferente porque aquilo expressa parte de sua essência, importa que ele seja renomado. É impossível afirmar que Von Trier fez tudo que fez por esse ou aquele motivo, como seria impossível dizer o mesmo do nosso amigo Zé da Esquina. Talvez sejam erros, experimentação, intencionalidade, casualidade e não causalidade, estilos novos (que não tem nada de novos) sendo testados, talvez sejam apenas boas explicações mascarando a verdadeira essência, a criação genuína, o inconsciente. É incrível e revoltante que para a crítica e para os cults, a genialidade nunca está na obra, mas em quem a assina.


Por fim, eu devo dizer que a decepção com "O Anticristo" foi dupla, afinal, não vi nenhuma manifestação explicitamente anti cristã, tal como a de Friedrich Nietzsche no livro que leva o mesmo nome do filme (embora não haja nenhum vínculo entre ambas as obras). Talvez meu olhar não seja cult e aguçado, ou talvez eu tenha conseguido me poupar da contaminação pelo status. É um filme para ser visto quando se está atrasado para o trabalho, assim, só dá tempo de ver a primeira cena e nutrir profunda admiração por ela.


A Órfã - a subjetiva deterioração da adoção



“A Órfã"

Direção: Jaume Collet-Serra.

Elenco: Isabelle Fuhrman, Vera Farmiga, Peter Sarsgaard.

Ano de lançamento: 2009.


Após perder a filha em um aborto natural, o casal cujo nome não me recordo resolve adotar uma criança, embora já tenham dois filhos - um garoto pentelho e uma garota surda. Em um orfanato, conhecem a russa Esther, uma criança de 9 anos, portadora de altas habilidades que os encanta com sua maturidade, talento e domínio das palavras. Sem saber nada da origem da criança (apenas que ela foi deixada no orfanato após a morte de toda a família em um incêndio), o casal a adota e aos poucos percebe que uma sucessão de acontecimentos macabros acontecem quando a menina está por perto.


Ao longo do filme, Esther mata a machadadas uma freira, quebra o próprio braço propositalmente, ameaça os irmãos com um revólver e, num tom psicopata retrata todos seus crimes em desenhos aparentemente infantis, que quando vistos sob a luz negra mostram a representação de todos os planos assustadores da garotinha. A mãe é a única a perceber que há algo errado com Esther, afinal, o pai está muito distraído sendo seduzido numa espécie de pedofilia incestuosa inversa.


Por um instante, pedi aos céus que o filme tivesse um desfecho interessante, afinal, tratava-se de uma criança monstruosa, era no mínimo curioso, interessante, afinal, mesmo as crianças mais maldosas do cinema são sempre influenciadas por uma força maligna, enquanto essa era genuinamente ruim. Como todo filme de terror, o final conseguiu ser pior que a fotografia nada inovadora e que o enredo mal amarrado. Esther sofria de hipopituarismo (aquela doença onde os anos se passam e a pessoa continua com aparência infantil) e tinha 33 anos. Ela amarrava faixas para esconder os seios e usava uma dentadura infantil. De repente a criança cruel virou uma anã despeitada por ser rejeitada pelo pai adotivo, por quem nutria desejo sexual. O final do filme foi uma mistura do mal uso da montagem paralela de D.W. Griffith com o estilo perseguidor/perseguido de "Sexta-feira 13", onde o Jason era uma garotinha mal caracterizada como adulta.


A única coisa que posso dizer é que, se o objetivo do roteirista e do diretor era assustar os espectadores, pelo menos a mim eles conseguiram. Não com as cenas feitas em luz de meia penumbra, com os efeitos sonoros típicos dos filmes de terror ou sequer com os cortes frenéticos, mas com a total falta de qualidade, com a incapacidade de amarrar os fatos, de traçar um rumo para a história e principalmente, com o final que conseguiu ser pior do que aqueles previsíveis em filmes do gênero (tal como em "A Casa de Cera", do mesmo diretor).


O susto maior veio certamente quando olhei no relógio e percebi que passei duas horas sentada no pufe pêra aqui de casa, que era madrugada de um domingo pra segunda, que eu iria trabalhar no dia seguinte e que aquilo não era uma piada.


A arte pela arte


Toda manifestação artística é o desenho da alma virada do avesso. Desde a mais comercial até as que não tem nenhum intuito lucrativo. Isto é, tudo aquilo que é objeto de criação, ou até mesmo o que é visivelmente copiado do que já é existente, mas passa por um processo de apropriação, é a mais genuína representação do indivíduo despido de qualquer censura, dando voz ao inconsciente que sequer ele conhece a fundo. Deste modo, toda obra é reflexo de seu criador, ainda que criador e criação pareçam substancialmente distintos.

Por isso, não me sinto no direito de classificar uma obra de arte como boa ou ruim, porque seria como enjaular o direito do outro de manifestar-se, seria como intitular e qualificar a essência do criador, num processo mecânico, industrial, ilustrado com flashes de "Tempos Modernos" de Chaplin, numa ausência completa de sensibilidade e compreensão. Portanto, me limito a classificar a criação alheia de duas formas: aquelas que contem elementos que me agradam e as que não me agradam. Note que o uso do pronome deixa claro a particularidade que me acerca.

Escrevi isso para tentar me livrar um pouco da culpa pela incapacidade de ser imparcial, o que ficará claro nos próximos três textos, resenhas críticas dos três últimos filmes que vi.

Sede de leite azedo


Você já sentiu sede, tomou um copo de leite e só depois percebeu que estava azedo? É assim que eu me sinto por dentro. É assim que eu sempre me senti.

Eu poderia não ter sentido sede, mas senti, era inevitável. Eu poderia ter tentado ignora-la, mas precisava atender seu chamado. E no meio de tantas opções, escolhi justo o leite, justo aquele que me azedaria por dentro. Depois de engolir aquele líquido que me corroía, já não havia nada que pudesse ser feito. A sede que antes me incomodava dava lugar ao mal estar, a dor, a apatia, a tantos extremos. E de nada adiantaria tentar esquecer o leite azedo, pois ele estava lá, correndo nas minhas veias disfarçado de sangue, camuflado entre os glóbulos, como se tivesse alguma vida. Eu poderia vomitar todo o leite, todo o azedo, ou perfurar as veias com agulhas espessas que me aniquilariam e me esvaziariam o corpo de todo sangue, de todo leite, de toda sede... Mas nunca me livraria do gosto azedo, sequer se a língua fosse mutilada e o paladar totalmente comprometido, porque o sabor viscoso e azedo estava dentro de mim, dentro das lembranças, dos sentimentos, da alma. A sede iria embora, voltaria, não se sabe, mas o azedo do leite permaneceria na memória e na sensação.

Assim são as pessoas, os desejos e os sentimentos. Os desejos nos levam até as pessoas que nos despertam sentimentos, e mesmo quando vomitamos as pessoas e o que sentimos por elas, até a última gota, elas vão embora, tal como os desejos e os sentimentos, mas a lembrança e a sensação do vazio permanecem aqui dentro. E permanecerão sempre.

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Lembrança da influência da Ana



O meu guri

Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar

Como fui levando não sei explicar
Eu assim levando ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse que chegava lá

Olha aí, olha aí, olha aí
Ah, o meu guri
Olha aí, olha aí
É o meu guri
E ele chega

Chega suado e veloz do batente
Traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar

Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documento
Pra finalmente eu me identificar

Olha aí, olha aí
Ah, o meu guri
Olha aí, olha aí
É o meu guri
E ele chega

Chega no morro com carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Mas até ele chegar lá no alto
Essa onda de assalto está um horror

Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar

Olha aí, olha aí
Ah, o meu guri
Olha aí, olha aí
É o meu guri
E ele chega

Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais

O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá

Olha aí, olha aí, olha aí
Ah, o meu guri
Olha aí, olha aí
É o meu guri

Chico Buarque - o mestre.
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sábado, 3 de abril de 2010

A absolvição do casal Nardoni


Finalmente consegui um tempo livre e ao invés de dedica-lo a algo extremamente útil como arrumar a bagunça de casa, organizar o cronograma de trabalhos da faculdade e descansar a mente deitada na cama sozinha, resolvi escrever sobre o assunto mais falado nas últimas semanas: o caso Nardoni. Admito, estou um pouco atrasada, mas é algo em que tenho pensado e não quero deixar a ideia se perder.

Antes de mais nada, é bom ser o mais clara possível quanto à imparcialidade deste texto. Não pretendo fazer qualquer tipo de apologia, sequer apontar culpados ou inocentes, embora o júri, as provas e a opinião pública tenham feito isso com afinco.

Logo que soube do caso Isabella, há dois anos, diferente da grande maioria das pessoas que se indignou, sentei em frente a televisão e ouvi atentamente a todas as reportagens, inclusive as mais sensacionalistas, fascinada com a trama policial que envolvia o casal Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, e a filha/enteada Isabella Nardoni. A história típica de um roteiro policial/criminal hollywoodiano era verídica e viraria um dos casos mais comentados atualmente em todos os jornais. (Não pretendo conta-la, porque ela se tornou mais popular que a história de Cristo, da Branca de Neve, do Silvio Santos, da Cinderela, etc etc etc...Seria redundante.)

Mas não é o assassinato em si que me chama atenção, sequer descobrir os culpados, mas a postura popular em relação ao ocorrido. Durante o julgamento, dezenas de pessoas largaram seus empregos e suas vidas para segurar cartazes e proferir palavras de ódio e indignação. Mas qual era o conhecimento técnico, jurídico e até mesmo presencial da população perante o caso? Eles sabiam aquilo que a televisão e a mídia impressa divulgava, ou seja, a opinião deles era basicamente formada de acordo com a opinião (e a vontade) da mídia. Eles queriam a condenação do casal porque assassinar uma criança de forma tão brutal é um crime hediondo, digno inclusive de pena de morte de acordo com alguns. Mas tudo isso não passa de mais uma novela das oito, quer dizer, cria-se uma Helena (a vítima), uma Odete Roitman (a vilã) e um cúmplice. Em seguida, a história se divide em dois polos: o bem e o mal, onde não existem meios-termos.

Como seria se a mídia tivesse comprado outra versão do caso? Se os Nardoni, ao invés de ficarem conhecidos como o casal assassino, fosse o casal de mártires que além de perder a filha ainda sofre sendo injustamente acusado pela morte da criança devido à incapacidade da justiça em encontrar o verdadeiro culpado? Será que a opinião pública seria a mesma? Será que os menos esclarecidos não defenderiam os dois com unhas e dentes, com a mesma garra com que acusavam? Tentei por várias vezes discutir isso com as pessoas, mas a grande maioria estava abruptamente carente de qualquer razão e completamente tomada pela emoção e comoção do tão falado caso Isabella. Todos eles teimavam em tentar me convencer de que os dois eram os culpados, sem perceber que isso estava claro, que as provas já haviam me convencido e que não era isso que me indignava, mas a postura das pessoas em relação ao acontecimento. Desde antes das provas, do próprio julgamento, eles já estavam condenados, e quem ditou a sentença não foi o júri, o juiz, ou sequer o ato criminal, mas a mídia e a capacidade de formar e manipular a opinião pública.

O fato é que o assassinato é errado, ilegal, as provas e a cronologia do crime não deixaram dúvidas de que os réus eram culpados, mas a condenação que deveria vir destes elementos já havia sido dada por quem não deveria julgar e sim informar, com imparcialidade. Depois de muitas tentativas de explicar esse ponto de vista e de ser chamada de insensível, fria, defensora de criminosos, dentre outras coisas, acabei deixando pra lá, afinal, tem muito mais coisa acontecendo no mundo e eu, como "parte" da mídia, não deveria julga-la tanto. Preferi absolve-la, afinal, alguém precisava ser inocentado nessa história toda.

Mas ainda tem algumas ideias que insistem em transitar pela minha mente. É engraçado (pra não dizer triste, profundamente triste) pensar que as pessoas se revoltam com a morte de uma menina assassinada pelo pai e pela madrasta (que é revoltante, claro), mas não se revoltam com as milhares de crianças condenadas à morte que crescem nas favelas cariocas expostas a todo tipo de violência, com as crianças que morrem de fome na África, na Ásia, no orfanato do bairro vizinho, debaixo do viaduto pelo qual passamos apressados todos os dias. Eles se revoltam com uma morte violenta que mata em alguns minutos, mas sorriem pra morte lenta, aquela com a qual nos deparamos todos os dias graças à miséria, à violência, a falta de políticas públicas, de educação, de saúde, de condições básicas de sobrevivência. E é isso que me faz pensar: se o caso Isabella aparecesse tanto quanto todos os problemas citados anteriormente e fosse tratado com a mesma superficialidade, será que as pessoas estariam tão indignadas? A revolta não se dá pelo fim da vida de um ser humano, mas pela quantidade de vezes que o assunto aparece nas manchetes do jornal, portanto, a mídia é quem decide o valor da vida, o grau de monstruosidade de um crime e quem merece ser condenado ou absolvido. Enquanto isso, milhares de pessoas morrem das mais diversas formas, mas isso não deve mesmo ter nenhuma importância, afinal, o William Bonner e a Fátima Bernardes não falaram nada sobre isso.

Ressalto minha profunda admiração pelo jornalismo, levando em consideração a dificuldade de faze-lo neste país. A crítica não é direcionada aos profissionais que informam, pois estes desempenham seu trabalho em sua maioria da melhor maneira possível e são apenas a sustentação da pirâmide, mas é direcionada a quem detém o poder, a quem pode decidir o que informar ou não, sem dar satisfações a ninguém, e ainda assim, prefere se omitir e esconder a poeira debaixo do tapete.

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