Pensei que a semana não chegaria ao fim... Foram tantos os acontecimentos, tantos altos e baixos, tantas ideias e sentimentos, vontade de escrever, vontade de escrever, escrever tudo, mas o tempo não deixava.
Acho que tudo começou quando uma mistura de estresse, incapacidade, ciúme, raiva, inferioridade e confusão me invadiu de um jeito torpe, forte, como se viesse pra ficar. Ora, como é que eu poderia ser deselegante e convidar todo esse transtorno a se retirar? E o que eu sempre faço quando me sinto acuada e assustada? Faço com que os outros se sintam piores que eu, assim não podem ver o quão mal eu me sinto. Em seguida, a diferença, o não-pertencimento, o vazio, a sensação de ser reflexo do nada, um incomodo inexplicável, vontade de me encolher e me esconder num cantinho, hora de fugir. Eram tantos os pensamentos ruins que não sobrava tempo pra mais nada. Um barulho interrompeu as frases feitas em minha cabeça, era meu estômago chamando, gritando, reclamando dos maus tratos. Fome. Enfiei a mão na bolsa, no bolso e... nada. Vinte centavos. A isso se resumia minha vida, minha fome, meu desejo, minha dignidade. Vinte centavos é menos que nada, pois quando se tem vinte centavos não se compra nada, e ainda há o peso de carrega-lo. A tristeza e a raiva se misturavam ao estômago que cada vez reclamava mais alto. No dia seguinte, depois de algumas lágrimas, pensamentos suicidas e um pouco de sono, a alegria voltou de viagem, empurrou a tristeza pra longe de forma deselegante, mal educada e se instalou bem no meio de mim, esparramada, ocupando todo o espaço que lhe cabia. Seria isso um forte indício de bipolaridade? Ir da depressão à mania em algumas horas realmente não é mesmo muito normal, mas quem define a tal normalidade? Deixei de lado a bipolaridade, não por medo ou "ceticismo científico", mas que psiquiatra me atenderia se eu lhe oferecesse vinte centavos? Melhor correr e pegar o ônibus até em casa, onde haveria comida e cama de graça.
Cheguei e não havia nada. Corri para ligar a TV e ouvir a sentença dos Nardoni, ou devo dizer a sentença da vaidade, da inutilidade, da hipocrisia, do falso moralismo nacional? Achei a leitura do juiz pouco agradável, mas esse é um assunto que pretendo tratar com mais delicadeza em outro momento. Encostei a cabeça no travesseiro, lembrei da meleca feita com cola e jornal na aula de direção de arte, lembrei da tensão do trabalho pacato, da saudade de ouvir uma voz familiar e ver feições acolhedoras, dos transtornos, da fome, dos amigos, dos planos profissionais, da faculdade, da fome, das obrigações, das boas risadas que se foram com as pessoas que as causavam, da fome, do sono, da fome... E a sentença continuava sendo dada entre fogos e lágrimas...
Fechei os olhos e prometi que o final de semana seria produtivo, mas assim que lembrei daqueles velhos vinte centavos, achei melhor fazer meu próprio caderno de arte, cozinhar e comer o que tinha no armário (e que nunca foi tão saboroso), ver os filmes que carinhosamente os amigos emprestaram e sorrir com a vitória do Flamengo no domingo. O cabelo desarrumado, as unhas mal feitas, o quarto bagunçado, a roupa suja, o caderno artesanal torto e cheirando a café, mas a alma lavada.
Engraçado mesmo é que sentei para escrever sobre a mídia, sobre a defasagem na graduação, a falta de contribuição intelectual e prática das disciplinas de direção de arte e elenco, a tão falada Semana do Caso Isabella, a briga entre a razão e a emoção, a suspeita da minha bipolaridade, o fim de semana perdido, etc etc etc... e no fim, acabei falando daquilo que estava dentro e mais uma vez deixando os planos de lado. Pelo menos os assuntos estão anotados, vou deixa-los guardados na gaveta junto com as ideias para as resenhas dos filmes que vi (A Órfã e Frida - sim, quase opostos) e, claro, junto com os vinte centavos.
Quando a gente pensa que a vida não vale nada, descobrimos que dá pra viver uma eternidade em apenas alguns pensamentos e, só por segurança, ainda assim guardar uma moeda ou duas que somem vinte centavos.